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Tanto medo no coração - por David Coimbra

quinta-feira, 5 de março de 2009

Lá por 1988, talvez 87, Lula visitou Criciúma. Não lembro se já como candidato a presidente da República, provavelmente pré-candidato. Personagem importante, de qualquer forma. Ainda assim, fomos poucos a entrevistá-lo. Uns três ou quatro jornalistas reunidos nos fundos da igreja matriz, eu representando o Diário Catarinense.

O salão paroquial vazio, nós sobre o palco de madeira, ouvindo o eco de nossas vozes, sentados em volta do Lula, ele com sua barba negra e seus olhos muito vivos, muito atilados, algo maliciosos. Não vejo mais aquela luz de malícia a dançar nos olhos de Lula. Deve ser fruto da experiência — decerto aprendeu que a ironia pode ser inteligente, mas de raro é simpática.

Participei de outras entrevistas com Lula de lá para cá. Mas nunca perguntei algo que desde os anos 80 me intriga: será que hoje, em retrospectiva, ele acha que seria um bom presidente, se fosse eleito em 1989? Suponho que não. Suponho que até o próprio Lula pensa, hoje, que em 1989 ele sofreria com a inexperiência.

Por que, então, Lula chegou ao segundo turno e por pouco não se elegeu? Entre diversos méritos de sua campanha, há um que ressalto mais do que todos: Lula feriu um ponto nevrálgico do subconsciente coletivo com um slogan de gênio:

“Sem medo de ser feliz”.

A princípio, parece uma tolice. Quem teria medo de que lhe ocorresse uma coisa boa? Aí está: todo mundo. A morena está olhando para você e você não vai lá. Quer ir, mas não vai. Por que não? O que você tem a perder? Nada. Mas você sente medo. Medo de ser rejeitado? Não! Medo de que ela aceite o assédio. De tudo o que representa a aceitação dela. Da mudança.

É por isso que, às vezes, você não vai àquela festa, não faz aquela viagem, não troca de emprego, continua casado. Você tem medo de ser feliz.
A campanha de Lula repetia esse sábio conselho ao eleitor: não tenha medo de ser feliz, aposte num trabalhador como presidente. Tocou direto numa corda sensível da alma do brasileiro.

Celso Roth padece desse mal. É bom técnico, mas tem medo de ser feliz. A escalação nitidamente covarde do Gre-Nal bastaria como prova, mas, durante o jogo, Roth deu uma mostra ainda mais cabal de que seu medo chega a ser doentio. Foi quando o Grêmio marcou o gol. Aquele momento é um diamante raro para quem tem apreço pela análise psicológica. É um momento precioso e irrepetível que bem merecia estudos do pessoal da Sociedade Psicanalítica.

O momento do gol. Era como o morena olhando para você, era o convite para a festa, a proposta de emprego novo. A felicidade logo ali. Roth entrou em pânico. Era demais para um homem como ele: ele havia mudado o time de forma surpreendentemente corajosa, o Grêmio passara a dominar a partida e, em poucos minutos, havia marcado o gol.

Roth ficou tão horrizado ante a possibilidade de vencer a partida e se consagrar que promoveu uma alteração de velocidade incomum a qualquer treinador, em qualquer parte do mundo: em menos de três minutos, havia um novo zagueiro em campo. Assim, o Grêmio entregou o domínio do jogo e perdeu o clássico e tudo ficou como sempre na vida de Roth. Como ele, no mais profundo da sua alma torturada, queria.

* Texto publicado hoje na página 43 de Zero Hora.

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